Gaza: Israel declara guerra “sem misericórdia”, protestos multiplicam-se
O ministro da Defesa israelita, Ehud Barak, declarou nesta Segunda feira no parlamento que Israel está envolvido numa guerra "sem misericórdia" contra o Hamas na Faixa de Gaza. Os bombardeamentos já mataram mais de 300 palestinianos e causaram mais de 950 feridos.
Em muitas cidades, um pouco por todo o mundo, têm vindo a realizar-se manifestações de solidariedade com os palestinianos e de condenação dos bombardeamentos israelitas.
Israel bombardeou na noite de Domingo para Segunda-feira a Universidade Islâmica de Gaza e o edifício do Ministério do Interior.
Segundo os serviços hospitalares da Faixa de Gaza os bombardeamentos israelitas já causaram mais de 300 mortos, o Comité Internacional da Cruz Vermelha estima o número de feridos em mais de 950.
Nas últimas horas Israel mobilizou mais de 6.500 reservistas e declarou "zona militar fechada" a área de quatro quilómetros em torno da fronteira com a Faixa de Gaza.
Os rockets lançados a partir de Gaza, que têm sido o pretexto usado por Israel para os bombardeamentos, continuam a cair sob o Sul de Israel, tendo um deles nas últimas horas provocado um morto e vários feridos na cidade de Ashkelon, a 30 quilómetros de Gaza.
Entretanto, neste Domingo, cerca de um milhar de pessoas concentrou-se em frente à embaixada de Israel em Madrid em protesto contra o ataque de Israel à Faixa de Gaza. Na concentração foi lido um manifesto pela actriz espanhola Alicia Hermida, no qual se condena duramente a comunidade internacional pela sua passividade e se acusam os governos dos EUA e de Espanha por alimentarem a máquina de guerra de Israel.
Manifestações decorreram noutras cidades como: Istambul (Turquia), Copenhaga (Dinamarca), Beirute (Líbano), Jacarta (Indonésia), Caracas (Venezuela), Bagdade (Iraque) e Nova Iorque (Estados Unidos).
Já no passado Sábado passado cerca de mil pessoas tinham-se concentrado em Telavive, em frente ao Ministério da Defesa, convocadas por organizações como "Gush Shalom" e "Coligação das Mulheres pela Paz". Nessa concentração foi gritado: "Barak, Barak, quantas crianças mataste hoje
Depois dos ataques lançados sábado, a aviação israelita voltou Domingo a bombardear a Faixa de Gaza, causando pelo menos 65 mortos. Durante a tarde de Domingo lançou mais de 20 bombas contra túneis na fronteira entre Gaza e o Egipto, aumentando ainda mais o número de vítimas. Segundo um novo balanço dos serviços de urgência do território, já morreram perto de 300 palestinianos e outros 900 ficaram feridos. O exército israelita mobilizou milhares de reservistas e começa agora a concentrar tropas na fronteira com Gaza, num sinal de que a ofensiva terrestre poderá estar iminente. "Há uma altura para tréguas e uma altura para combater. Agora é a altura de combater", afirmou este Domingo o ministro da defesa israelita, acrescentando que a operação contra Gaza "continua e continuará o tempo que for necessário".
No segundo dia da ofensiva contra a Faixa e Gaza, o exército israelita começa a concentrar tropas na linha de fronteira , num sinal de que a componente terrestre das operações militares poderá ser desencadeada nas próximas horas. "O Executivo aprovou a mobilização de milhares de reservistas. A mobilização engloba unidades de combate e unidades da defesa passiva", indicou uma fonte oficial do governo israelita.
A verdade é que os bombardeamentos sobre Gaza não cessaram, e Domingo de manhã provocaram mais de 60 mortos, aumentando o total de vítimas mortais para perto de 290. No entanto, este número pode crescer rapidamente, até porque há pelo menos 120 feridos em estado grave. O campo de refugiados de Jabaliya, a Norte, e as localidades de Khan Younes e Rafah, a Sul, foram os alvos dos primeiros ataques deste domingo, que também atingiram uma quartel da polícia do Hamas.
Já durante a tarde a aviação israelita bombardeou cerca de 40 túneis do lado da fornteira de Gaza com o Egipto, provocando mais dois mortos e 22 feridos. Israel argumenta que os túneis serviam para transportar armas para o Hamas, mas este movimento contrapõe que os mesmos eram usados por populares para fugir ao bloqueio.
Como retaliação aos bombardeamentos, o Hamas - pela voz do seu líder do exílio, Khaled Meshaal - apelou aos palestinianos para iniciarem uma terceira Intifada contra Israel, enquanto o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, referiu-se à ofensiva israelita como um "massacre".
Entretanto, o Conselho de Segurança da ONU apelou este Domingo ao fim imediato de todas as actividades militares na Faixa de Gaza. No entanto, trata-se de uma declaração não vinculativa e demasiado vaga, já que se abstém de nomear Israel ou o Hamas. No Líbano, na Síria, no Egipto e em praticamente todas as capitais do mundo árabe, milhares de pessoas manifestaram-se contra os ataques israelitas.
As organizações de ajuda humanitária foram as primeiras a falar de "catástrofe", com o director da Oxfam International a dizer que "Gaza já estava paralisada devido ao bloqueio israelita" e que "o ataque militar a Gaza pode destruir por completo infraestruturas essenciais como o saneamento básico, o abastecimento de água e electricidade para hospitais e habitações, com um efeito devastador sobre a população".
Na resposta a estas críticas, Ehud Barak autorizou apenas a passagem de uma caravana com medicamentos e ajuda humanitária para Gaza, mantendo no essencial o bloqueio. A decisão do Ministro da Defesa está a ser interpretada pela imprensa do país como uma forma de legitimar na cena internacional a ofensiva lançada este sábado e que promete continuar.
Recorde-se que a trégua de seis meses acordada entre o Hamas e Israel, com a mediação do Egipto, expirou no passado dia 19 de Dezembro. Israel acusa o Hamas de, desde essa data, lançar diariamente rockets contra localidades fronteiriças de Israel. Mas o Hamas argumenta que durante o período de trégua o bloqueio israelita a Gaza nunca cessou, ao mesmo tempo que Israel prossegue diariamente com a construção de colonatos em territórios palestinianos.
Segundo o chefe dos serviços de saúde de Gaza, o ataque dos últimos dois dias foi o mais sangrento que Israel protagonizou desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Há uma dimensão obscena no ataque a Gaza: as centenas de vítimas dos bombardeamentos israelitas sobre Gaza são vítimas colaterais da campanha eleitoral israelita; para aumentar o seu apoio popular antes das eleições, todos os líderes israelitas estão a competir para ver quem é o mais duro e quem está disposto a matar mais.
Por Michael Warschawski, Centro de Informação Alternativa
"A morte de uma única vítima israelita justifica o assassinato de centenas de palestinianos. Uma vida israelita vale uma centena de vidas palestinianas. É isto que o Estado de Israel e os média mundiais mais ou menos descuidadamente repetem, com questionamentos marginais. E esta alegação, que acompanhou e justificou a mais longa ocupação de territórios estrangeiros da história do século XX, é visceralmente racista. Que o povo judeu aceite isto, que o mundo concorde, que os palestinianos se submetam - esta é uma história de piadas irónicas. Ninguém acha graça..."
John Berger
Enquanto o mundo inteiro está em choque diante das terríveis imagens emitidas de Gaza, a opinião pública israelita apoia maciçamente a sangrenta ofensiva de Barak-Olmert. Isto inclui o Meretz, a oposição de esquerda parlamentar. Apesar de ter manifestado preocupação pelas mortes de civis, o líder do Meretz, Haim Oron, numa entrevista à televisão israelita, aderiu aos argumentos da propaganda oficial, responsabilizando o Hamas pelo banho de sangue. Um discurso mistificador como este está a ser copiado pela maioria dos líderes do mundo ocidental, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros de França superando até a Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. Vamos pôr os factos como eles são:
Gaza está a ser alvejada pelo exército israelita desde a vitória do Hamas, e o cerco imposto sobre mais de 1,5 milhão de civis - por Israel, mas também pela chamada comunidade internacional - é em si um acto de violência e um crime de guerra;
O ataque israelita é uma agressão planeada: de acordo com as notícias israelitas, Ehud Barak planeou o ataque a Gaza já em Agosto;
Os foguetes lançados sobre cidades de Israel foram uma retaliação a agressões militares israelitas anteriores, e não foram lançados pelo Hamas, mas sim pela pequena organização Jihad Islâmica;
O ataque a Gaza é parte integral da guerra santa neo-conservadora contra o mundo islâmico, e a administração neo-conservadora cessante dos EUA, assim como o Egipto e outros regimes reaccionários árabes, instaram as autoridades israelitas a desencadear a ofensiva antes de Obama entrar na Casa Branca;
A intenção declarada de Barack Obama de abrir conversações com a República Islâmica do Irão é uma das principais preocupações das administrações cessantes em Tel Aviv e Washington, e a ofensiva contra Gaza é uma tentativa de provocar uma reacção iraniana que permita a retaliação israelita e dos EUA. Nos últimos dias, o vice-ministro da Defesa israelita, Ephraim Sneh, bem conhecido pela sua obsessão anti-iraniana, vinculou sistematicamente os foguetes do Hamas (sic) ao Irão, sem, evidentemente, apresentar quaisquer provas.
Esta estratégia geral, baseada na mistificação do "choque de civilizações" e na guerra global contra o Islão, é partilhada por todos os partidos políticos sionistas de Israel e explica o apoio do Meretz à actual agressão.
Apesar de não ser de esperar uma mudança rápida da política norte-americana no Ocidente asiático, os líderes israelitas e os seus patrocinadores neo-cons em Washington estão preocupados pela mudança na administração americana, e temem que uma nova estratégia possa quebrar a guerra global preemptiva. O ataque a Gaza é uma tentativa de última hora de mudar as relações de forças no Médio Oriente, antes do fim da era neo-conservadora.
E, antes de concluir, não esqueçamos a dimensão obscena: as centenas de vítimas dos bombardeamentos israelitas sobre Gaza são vítimas colaterais da campanha eleitoral israelita. Para aumentar o seu apoio popular antes das eleições, todos os líderes israelitas estão a competir para ver quem é o mais duro e quem está disposto a matar mais. Ehud Barak, contudo, tem uma memória muito curta, e Shimon Peres pode recordar-lhe que este cálculo cínico não é necessariamente o melhor: o massacre de Qana, que era suposto ter trazido a vitória a Shimon Peres, teve como consequência que centenas de milhares de cidadãos palestinianos virassem as costas ao Partido Trabalhista.
Apesar da sua brutalidade, contudo, Ehud Barak permanece um dos mais populares líderes na arena israelita, e os milhares de manifestantes que saíram às ruas ontem, quase sem convocação, protestando contra o massacre, podem indicar que todos os que estão por trás dele, incluindo o Meretz, não vão receber os seus votos. É previsível que o repúdio internacional e o relativamente amplo sentimento anti-guerra entre os eleitores force o Meretz, uma vez mais, a mudar de posição. Deviam, porém, lembrar-se da antiga verdade que os eleitores preferem sempre o original: quando o Meretz sanciona a estratégia de guerra e as mentiras de Netanyahu, os eleitores vão preferir votar em Netanyahu em vez de na sua pálida e sensaborona cópia.
Tradução de Luís Leiria