Poesia

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Lapeno Enriquez
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Re: Poesia

Mensagempor Lapeno Enriquez » segunda fev 14, 2011 4:08 pm

Resumindo, quem é o callway para ensinar poesia a quem quer que seja? A não ser quem sejas o heterónimo cibernético do Fernando Pessoa :mrgreen:
...natasnatasnatasnatasnatasnatasnatasnatasnatasnatasnatasnatasnatasnatasnatasnatas...
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Microgaitas
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Re: Poesia

Mensagempor Microgaitas » segunda fev 14, 2011 5:11 pm

Lapeno Enriquez Escreveu:Resumindo, quem é o callway para ensinar poesia a quem quer que seja?


Finalmente.
http://atomsforwar.wordpress.com
Besta_Quadrada Escreveu:Tatua antes parolo.

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Callaway
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Re: Poesia

Mensagempor Callaway » segunda fev 14, 2011 5:25 pm

Lapeno Enriquez Escreveu:Resumindo, quem é o callway para ensinar poesia a quem quer que seja? A não ser quem sejas o heterónimo cibernético do Fernando Pessoa :mrgreen:



sim, mas durante a noite sou um super heroi que pratica a justiça usando o penis

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darkiske
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Re: Poesia

Mensagempor darkiske » segunda fev 14, 2011 5:34 pm

Callaway Escreveu:
darkiske Escreveu:Ah, agora a humildade vem ao de cima! Bem, o que disseste quase que dava para criar um novo tópico intitulado:

"Recriar o Feito, a Falta de Originalidade no Metal"


As pessoas não evitam o cliché, porque o cliché é confortável. Arriscar é que é difícil, podes estatelar-te no nada! (vê lá se não me roubas esta para um poema teu, eh eh!)

Mas só arriscando é que se podem conseguir coisas cada vez mais grandiosas e únicas. A chave está na diversidade, na tentativa contínua.

Em quase toda as instâncias da vida são esperadas coisas de nós, e habitualmente respondemos da forma que elas esperam. Isso é confortável, mas a libertação vem com a coragem de pensar mais alto.



ora ai esta. mas as vezes falhamos. uma pessoa tenta tanto ser diferente que acaba por ser igual. muita gente vira gotico, emo e etc so pa mostrar-se diferente. é diferente do individuo comum, mas acaba por se conformar a outras tendencias. e sim, o cliche e confortavel, e por isso e que ha tematicas que nao gosto de discutir com as pessoas, pq sao tematicas em que a partida as pessoas ja têm razao porque têm o cliche e o preconceito por detras a defende-las. por exemplo, muito do novo pessoal que aderiu ao metal, diz: "glam é gay", "glam é paneleirice", ... isto para mim é pessoal que nao compreende na verdade o metal, e diz estas coisas pq é fixe e confortavel serem ditas, pq é o que os outros dizem, e nao percebem que o que importa é a musica. todos sabem aqui que eu sou um grande fã de Manowar (nao e glam mas serve para o efeito). E muitos me dizem: "nao percebo porque ouves isso. é uma banda de paneleiros", "nao ouço porque é gay"...opa, as pessoas dizem isto porque é confortavel dizer-se. nao obrigo ninguem a gostar de Manowar, alias ate compreendo que as pessoas nao gostem pq têm certas musicas que sao uma azeitice completa, mas pergunto-me: com que é que se toca guitarra? com os dedos ou com as cuecas? com que é que se canta? é com a voz ou com o cabelo? as pessoas nao percebem que têm de olhar para alem do superficialismo, e o metal trata-se tambem disso: olhar para alem do aspecto. se uma pessoa nao consegue ouvir uma banda de metal, seja por causa de usarem visuais glam, seja por causa do corpse paint e de vestuario agressivo (como acontece no black), seja por o que quer que seja do visual, entao acho que é melhor "mudar de emprego". uma pessoa deve apreciar as coisas pelo que essas coisas sao em tudo. se falamos de uma banda, devemos critica-la na musica que faz. se falamos de um médico, devemos avalia-lo pela maneira como lida e trata os doentes, e nao pela cor do cabelo. se falamos de uma mota ou de um carro, devemos avalia-lo pela sua performance, utilidade e durabilidade, e nao por ser cor de rosa.

eu ca digo sempre que era gajo para ouvir tokio hotel. nao me importava com o aspecto que tinham, que nao e isso que me chateia neles. desde que fizessem musica decente e para um publico alvo que nao fosse pitas.


Manowar é muito bom. Tirando as músicas de comédia como Die For Metal, Kings of Metal e essas coisas. Sabes que atribuir rótulos às coisas é sempre fixe. Se passa um gajo com uma saia de ballet à minha frente, a minha reacção não será: "Curioso. Bem, respeito a sua decisão!" Obviamente que será: "Ah, este gajo é o maior! ÉS TODO HOMEM, TODO, TODO HOMEM!"

Isto porque ser respeitoso não tem piada nenhuma. Ser superficial é estúpido, mas é terrivelmente divertido. E não, não se pode "tocar guitarra com os boxers".
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Lapeno Enriquez
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Re: Poesia

Mensagempor Lapeno Enriquez » segunda fev 14, 2011 5:39 pm

Callaway Escreveu:
Lapeno Enriquez Escreveu:Resumindo, quem é o callway para ensinar poesia a quem quer que seja? A não ser quem sejas o heterónimo cibernético do Fernando Pessoa :mrgreen:



sim, mas durante a noite sou um super heroi que pratica a justiça usando o penis


Nem poeta nem humorista :mrgreen:
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Re: Poesia

Mensagempor ORIS » terça fev 15, 2011 4:29 pm

Crepuscular

Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, d'ais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.

As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados.

Sentem-se espasmos, agonias d'ave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas...
--- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.

As tuas mãos tão brancas d'anemia...
Os teus olhos tão meigos de tristeza...
--- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.

Camilo Pessanha
Hanged by Mental Fibers Crystallized Thru Gold...At the Gates of Oblivion - Vastness Project

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Re: Poesia

Mensagempor Callaway » quarta fev 16, 2011 11:31 pm

ORIS Escreveu:Crepuscular

Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, d'ais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.

As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados.

Sentem-se espasmos, agonias d'ave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas...
--- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.

As tuas mãos tão brancas d'anemia...
Os teus olhos tão meigos de tristeza...
--- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.

Camilo Pessanha



acabaste de provar que realmente sou um cliche. Poema interessante deveras :)

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miguel101
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Re: Poesia

Mensagempor miguel101 » domingo jul 31, 2011 2:34 pm

Imagem

Boas!

Publiquei há dias este livro. Vou deixar aqui um dos textos presentes na obra. Se acharem que tem qualidade tenho mais alguns (além de todas as informações sobre o livro) em: http://cova-miguelsalgado.blogspot.com/

Cova

No espaço compacto com cortinas fechadas
pela carpete lúgubre mórbida
morre lentamente a carne vagarosa
numa antropofagia própria de uma permanência esquisita
na qual os pedaços inteiros verdadeiros
encetam o estado limitativo ao iniciado
pois estão cansados.
Brotam deles
pingos de animal enjaulado
areias movediças de pântano
detritos viscosos não identificados
restos de pele esfolada
miasmas com asma
memórias
memórias
fios de sangue pelos cantos da boca.

Na sombra comprida de um passeio sujo
passa o homem inválido imundo
acossado de dores
repleto de neurónios em decadência
de insónias provocadas pelas horas da resposta.
As pernas não respondem satisfatoriamente
estão cheias de varizes verdes
o nariz e as orelhas têm pêlo grosso e saliente
as mãos têm tremores de impossível controlo
uma das pestanas é atravessada por uma cicatriz sem nexo.
Procura o espaço exacto para divagar
uma penumbra para esconder deficiências.
Assíduo ataque de fúria solitária e desordenada
assídua prostração calada no banco de jardim abandonado.
Circunscrevem a área
os seus olhos em forma de cova.

Predomina a perplexidade no horizonte
à frente do sono
e da luz
que se deixa a trabalhar à noite
para que a criança possa dormir com menos medo.
Um vórtice de granizo poluído
esbate incessantemente na portada da casa pequena
as tábuas da cama saltam em movimentos vigorosos
as obras decorativas, colocadas com precisão e ordem
caem desajeitadamente
e o seu aspecto fica irreconhecível.
O que outrora se aplaudia
torna-se desprezível como o ar que a viúva-negra respira todo o dia.

A licença para o sonho
são brechas minúsculas de sono
um copo na mão é um puzzle de cacos
a ferida do dia é um precipício cheio de dentes de crocodilo
a contemplação é um empurrão à queima-roupa
o acolhimento é uma praxe académica
os rodopios em reuniões sabáticas
são unhas cheias de marcas indicadoras de falta de cálcio
a sala de espera do hospital público
é uma borbulha inchada prestes a espirrar pus
o topo branco da ascendente montanha
é um tesouro pirata perdido nos calendários de parede
o carrossel do parque infantil
é uma tortura da inquisição medieval
o aquecedor no quarto
é um monstro devorador a rosnar
a vitória sobre a dúvida
é uma tarde passada na cinzenta labuta.
As saídas estão repletas de suicidas
e um féretro mal fechado anda muitos quilómetros de distância assim.
Ácidos incompatíveis são misturados
cada um é possuidor de uma faca de dois gumes
na autópsia mexe-se naquilo que não se podia tocar
a terra engole a água e fica imediatamente seca
sintomas de doenças contagiosas circulam por aí
uma horta de choques eléctricos é plantada
a pisadura salta como uma mola da caixa fechada
a vontade de morrer devagar morre depressa
as avenidas fazem das carícias berros silentes.
Raramente a fúria sabe o que é esperar.

Lestas fissuras no vasto campo dos sentidos
rápida necrose a esventrar zonas corporais
mau estar incontido na ameba do zoom máximo.
Nenhuma outra agrura teve tanto ruído
nenhum réptil rastejou tanto na rocha.
Um delírio lírico idílico foi criado
e agora traça-se uma sangrenta porta para outro mundo
sentido de uma maneira feroz.
A aurora é um carrapato
a muralha da China é debilidade
a flor de jasmim exala a lixo de há uma semana
o chá de limão sabe a salmonelas
agarrar o dia não adianta
quando o canário abre o bico é preciso fechar os ovários.
Circunscrevem áreas
os olhos em forma de cova.

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Callaway
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Re: Poesia

Mensagempor Callaway » sexta out 21, 2011 8:46 am

Conto de Uma Virgem

Sussurrando...tal como o vento sopra
Dentro do teu coração, respirando
Como se por ele não corresse sangue
Fugido do meu olhar, com medo agitando.
Aquela dor...Aquela dúvida...Um impulso...

Verás a razão contaminada de emoção,
A lógica distorcida pela espontaneidade.
Aceita da minha alma a sua obsessão.
Deixa-me sentir a tua dor, se tal insolubilidade
For uma chama pura, querendo queimar
Um rasto duma velha criança, p'ra minha vontade apagar.

Leva-te pela corrente, eu ta guiarei para mim.
Vence o medo e liberta o teu mundo.
Façamos dos olhos o reflexo das nossas caras.
E sussurrando...tal como o vento sopra
Por um beijo ofegante sem tréguas...
façamos do infinito o limite da nossa imaginação.





Sob a Sombra da Consciência

Ser algo no escuro, o pensar,
A geração abstracta de matéria.
Do nada um novo realizar,
...e digo!
Serei eu a profunda miséria
Ou a visão de algo belo sem cor
Serei eu uma sanguinária artéria
Ou a orquestra dum gritante silêncio sem dor

(riso sarcástico)

Vivo na criação da tua existência
Sou o ser que rege a tua vidência
Vivo sob a sombra da consciência
Do meu alimento faço a tua violência

Mas qual o propósito do teu estar?
Sob a sombra da consciência
Numa eterna busca da luz
Sob um mar de interrogações
Sem horizonte na sua realização
Sou a mente que guia o teu destino
Sou o profeta do teu olhar...

Dito a maré que rege esta súbita e inconstante criatividade,
Dito as correntes que viajam neste oceano de palavras.
Sob a sombra duma incolor e cintilante consciência,
Pinto a loucura com meros traços de contradição...

(riso sarcástico)

Serás tu minha sombra de sangue e gelo,
Fonte destes versos que em tinta escorrem pelas minhas mãos

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darkiske
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Re: Poesia

Mensagempor darkiske » sexta out 21, 2011 8:17 pm

Não gosto. Mas podia gostar.
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Venøm
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Re: Poesia

Mensagempor Venøm » sexta out 21, 2011 10:58 pm

Façam mais poemas sobre gajas, porrada e futebol e menos poemas sobre conice.

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Re: Poesia

Mensagempor darkiske » sexta out 21, 2011 11:00 pm

Venøm Escreveu:Façam mais poemas sobre gajas, porrada e futebol e menos poemas sobre conice.


A tua mãe no degrau/ Agarra o pau/ Agarra o pau

Seios como bolas de futebol/ Enormes
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Vaargseth [RIP 2012/04/25]

Re: Poesia

Mensagempor Vaargseth [RIP 2012/04/25] » sexta out 21, 2011 11:14 pm

darkiske Escreveu:
Venøm Escreveu:Façam mais poemas sobre gajas, porrada e futebol e menos poemas sobre conice.


A tua mãe no degrau/ Agarra o pau/ Agarra o pau

Seios como bolas de futebol/ Enormes

:mrgreen: Cantei isso enquanto lia...

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Re: Poesia

Mensagempor darkiske » sexta out 21, 2011 11:20 pm

A primeira parte talvez, a segunda é mais para recitar.
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Re: Poesia

Mensagempor Count Raven » terça nov 08, 2011 2:42 pm

Alguns dos que mais me marcaram:

Fundo do mar

No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.

(Sophia de Mello Breyner Anderssen)



Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

(Miguel Torga)


Tudo o que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúdica e rica,
E eu sou um mar de sargaço ---

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem.

(Fernando Pessoa)


Dizeres Íntimos

É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!

E logo vou olhar (com que ansiedade! ...)
As minhas mãos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bebés doentes
Que hão-de morrer em plena mocidade!

E ser-se novo é ter-se o Paraíso,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!

E os meus vinte e três anos ... (Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida! ...”
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!”

(Florbela Espanca)


Estes são meus:

O mal
O mal que me aflige e devora
é tratar o papel e a pena por "tu":
o papel faz-me sentir nu por fora
e a pena, por dentro, faz-me sentir nu

Não ouso dizer aquilo que adivinho;
as palavras mais belas, essas, guardei-as
num antigo e infindável pergaminho
escrito com a tinta que me corre nas veias.

Mas sinto tristeza por não ter o porte
para ser homem mais uno, mais alto, mais forte,
para dizer ao mundo num brado intenso

que a minha pena, brava, ninguém cala,
e que escrevo no papel como quem fala
ao invés de falar tudo aquilo que penso.

--

Obliteração

Não te pedi o mundo em troca
quando os meus lábios, em tom carnal,
trocaram segredos com a tua boca...
...não importa... não faz mal.

Porque nem o dia a noite invoca,
nem o doce conjura o sal;
assim somos nós: uma ideia louca
onde não existe nós, mas "cada qual".

E nesses instantes em que me atormento,
em que fica turvo o pensamento,
em que toda a esperança se vai

a minha alma fica um poço exaurido
que de tanto dele terem extraído
nada, mas mais nada sai.

--

Arbórea

Como é que só eu posso imaginar
um reino erguido acima dos galhos
(vasto até onde a vista pode alcançar)
de cedros, abetos, pinheiros e carvalhos?

E quem, senão eu, para nele habitar?
Saciar a fome com folhas e bogalhos,
dormir no seu ventre, e ao despertar
deliciar-me com os seus frescos orvalhos

Deixaria para trás as povoações,
renegaria o mundo e as suas nações,
trocaria as cidades pelas giestas...

...quando as árvores fossem minhas imperatrizes
e o meu corpo se tornasse em raízes
e o meu sangue seivasse pelas florestas...

--

Dialecto

Não sei escrever o que sinto;
não há palavras ou tradução
que exprimam de modo sucinto
o linguajar do coração

Não tenho coragem nem talento
nem verve própria para dizer
o que sinto em todo o portento
do vazio categórico do meu ser

Se o que sinto, então, não pode ser escrito,
e isso me priva de ser erudito...
VIVA A IGNORÂNCIA EM TODO O SEU ESPLENDOR!

Viva o homem que compila, num grito,
todo o desejo que tem de infinito
no infinito desejo de escrever "Amor".

--


Sinopse

Desenho um ponto numa extremidade.
Na outra, vou desenhar mais um.
Chamo "A" ao primeiro (por formalidade)
e "B" ao segundo (por senso comum)

Entre "A" e "B" traço uma recta
para eliminar todo o espaço nu;
o ponto "A" sou eu, e a minha meta
é o ponto "B" (que és tu)

Mas penso, porém, nas intersecções
que nos desviam das nossas direcções,
dos nossos objectivos, das nossas metas...;

Diz-me, amor, que findei meus versos:
não seremos ambos pontos dispersos
que desejam unir-se por linhas rectas?
When all else fails, "tás a amealhar pontos de metaleiro" will get you through the day.


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