spiegelman Escreveu:Leviathan Escreveu:
A teu ver não achas que muitos dos problemas serão erradicados?
A meu ver, a ser esse o princípio, este é provavelmente o projecto mais tenebrosamente desumano que já vi imaginado com máscara de solução para a felicidade humana.
E eu tenho cá uma coisa com projectos tenebrosamente desumanos, fazem-me assim uma comichão sabes?
Mas hei, estamos numa democracia (coisa que seria desnecessária num mundo Zeigeist, visto a democracia ser essencialmente um projecto político) e numa democracia as pessoas têm o direito a quererem ser uma roda dentada igual a todas as outras rodas dentadas com um mecânico a olear-lhes a felicidade.
Eu cá prefiro a minha humanidade, e a ti sua finitude e imperfeição, e usar o meu livre arbítrio, que preservarei até morrer, para ouvir cantar o meu lado negro ao mesmo tempo que vou ajudando os meus compatriotas deste mundo imperfeito a suportar e ultrapassar imperfeitamente essa condição.
Olha camarada, a ti e aos mecânicos da humanidade deixo estas singelas palavras do infeliz, mortal e imperfeito José Régio:"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
Desde que não abuzes da tua liberdade, faz o que bem entenderes contigo.
