spiegelman Escreveu:Se o BCE decide arbitrariamente descer a Euribor, porque não uma decisão política de descer os juros da dívida soberana?
Detalhe picuinhas mas importante: O BCE não decide descer a Euribor. O BCE decide descer a taxa a que o BCE empresta dinheiro aos bancos e isso tende a descer a Euribor.
Por sua vez, a descida da Euribor faz baixar a prestação do teu empréstimo porque foram esses os termos do empréstimo que negociaste com o banco.
Se na altura da subida de juros agiotas da dívida da Grécia alguém decidisse políticamente descer esses mesmos juros, não era mais construtivo do que chegar á conclusão 3 anos depois que as medidas de austeridade não resultaram e que mais vale perdoar a dívida?
A sério, alguém que me responda porque é que os juros agiotas das dívidas soberanas não podem descer arbitrariamente por decisão política como a Euribor por exemplo?
Primeiro, há que separar o mercado primário da divida do mercado secundário.
Quando o Estado pede dinheiro emprestado, faz um leilão e pede o empŕestimo a quem oferecer a taxa de juro mais baixa. Por exemplo, o Estado pede 1000M€ emprestados a 10 anos à entidade A com uma taxa de juros de 5%.
E são esses 1050M€ (1000 + 5%) que o Estado deve.
Os juros que vês todos os dias a subir e descer são os juros do mercado secundário.
Às tantas, a entidade A pode decidir vender a divida á entidade B por 1010M€. Para a entidade B, isto é uma taxa de juro de 4%.
Ou se A se sentir com os tomates muito apertados, decide vender a B por 990M€. Para B, isso é uma taxa de de juro de 6%.
Ou seja, quando vês os juros da Grécia a disparar, vês instituições que têm dívida soberana grega em pânico e a livrar-se dessa dívida aos desbarato, perdendo imenso dinheiro no processo.
É como o pessoal a vender acções do BCP a 0,17€.

Ou seja, o mercado secundário não afecta directamente os Estados. O Estado continua sempre a dever 1050M€, é isso que está no contrato.
Mas afecta, na medida em que juros elevados no mercado secundário significam que se A emprestar dinheiro ao Estado a juros baixos não consegue, se quiser, livrar-se deles no mercado secundário sem perder dinheiro.
E portanto, afecta as decisões de A quando considera emprestar dinheiro ao Estado.
Agora, qual é o problema de tentar regular os juros disto?
O problema é que quem empresta dinheiro ao Estado fá-lo por opção, não por obrigação. Fá-lo com a intenção de ver todo esse dinheiro de volta com juros. E fá-lo sem outra garantia que a palavra soberana do Estado.
Não podes obrigar os AA a emprestar dinheiro ao Estado; não podes obrigar os BB a comprar divida aos AA.
Os AA e os BB podem simplesmente guardar o seu dinheiro ou investi-lo noutro sitio em vez de o investirem em divida soberana.
Qualquer coisa que penses fazer, tens que ter em conta isso: às tantas, ninguém se arrisca a emprestar dinheiro ao Estado.
E é aí que a porca torce o rabo de forma violenta. O problema, mais que o dinheiro que devemos, é convencer os AA deste mundo a emprestar-nos ainda mais dinheiro no futuro. Ou estamos fodidos.
A solução não passa portanto por regular o mercado de dívida soberana. A solução passa por nos endividar-mos menos, para darmos aos AA do mundo menos razões para dormir mal à noite e, no caso de lhes dar uma birra, poder-mos passar ao largo dela.