Uma esmola para o músico, s.f.f.[/
Enviado: quarta dez 05, 2007 8:19 pm
Uma esmola para o músico, s.f.f.
Texto originalmente publicado no blogue Daemonium
No passado dia 30, a versão online da revista norte-americana “Rolling Stone” publicou um texto sobre o site Dear Rockers, que incentiva os utilizadores de plataformas de partilha ilegal de ficheiros a enviarem uma carta aos seus ídolos redimindo-se por descarregarem sem autorização as respectivas obras, sujeitas ao pagamento de direitos autoriais.
As cartas, remetidas para os managements ou clubes de fãs dos artistas (e que são reproduzidas no site) vão acompanhadas de cinco dólares, uma forma de “compensação” pelos danos financeiros que os downloads ilegais possam gerar. Darren Barrefoot o criador do site, ele próprio utilizador de programas peer-to-peer, afirma ser este um valor justo a pagar, na medida em que, por cada tema adquirido no iTunes, os artistas recebem apenas entre oito e 14 cêntimos. Ora, segundo Barrefoot, os cinco dólares representam, em royalties, cerca de três CD’s.
Assim, o roubo de propriedade intelectual fica legitimado pelo envio de uma carta hipócrita, supostamente redentora, acompanhada de uns “generosos” cinco dólares. Já estou a imaginar o teor de uma missiva dirigida ao avô do Metal: “Ó Ozzy, desculpa lá mas tive mesmo que gamar a tua discografia. Sou um grande fã teu, por isso te envio as minhas desculpas e uma notita para não fazeres ondas.” Imagino que, agora, os prevaricadores consigam dormir melhor, aconchegados num mar de cinismo.
Os pressupostos do Dear Rockers rebaixam o artista à humilhante condição de miserável que, para sobreviver, depende das esmolas dos fãs (tão altruístas que eles são...). Muitos poderão afirmar que a estratégia de os Radiohead venderem o seu novo álbum, In Rainbows, no site oficial através de download com preço definido pelos admiradores se inscreve igualmente numa lógica de esmola.
Contudo, essa ideia não poderia ser mais errada: em primeiro lugar porque se trata de uma eficaz opção de marketing; em segundo, porque é uma genial estratégia para manter a carreira com maior independnência face à indústria discográfica tal como é conhecida. Ao mesmo tempo, a banda educa e responsabiliza os fãs, conferindo-lhes o poder de decidir o seu futuro.
O caminho de Barrefoot é distinto. Qual beato pecador que busca a absolvição confessando-se, rezando a Avé Maria 30 vezes ou pagando o dízimo, o autor julga que, ao incentivar os fãs a pagar cinco dólares às bandas, lhes tira dos ombros o peso do arrependimento, legitimando as prevaricações até ao próximo envio de cinco dólares, quiçá para outro destinatário. Mas Barrefoot esquece o fundamental: a consciência limpa não se compra!
Dico
Texto originalmente publicado no blogue Daemonium
No passado dia 30, a versão online da revista norte-americana “Rolling Stone” publicou um texto sobre o site Dear Rockers, que incentiva os utilizadores de plataformas de partilha ilegal de ficheiros a enviarem uma carta aos seus ídolos redimindo-se por descarregarem sem autorização as respectivas obras, sujeitas ao pagamento de direitos autoriais.
As cartas, remetidas para os managements ou clubes de fãs dos artistas (e que são reproduzidas no site) vão acompanhadas de cinco dólares, uma forma de “compensação” pelos danos financeiros que os downloads ilegais possam gerar. Darren Barrefoot o criador do site, ele próprio utilizador de programas peer-to-peer, afirma ser este um valor justo a pagar, na medida em que, por cada tema adquirido no iTunes, os artistas recebem apenas entre oito e 14 cêntimos. Ora, segundo Barrefoot, os cinco dólares representam, em royalties, cerca de três CD’s.
Assim, o roubo de propriedade intelectual fica legitimado pelo envio de uma carta hipócrita, supostamente redentora, acompanhada de uns “generosos” cinco dólares. Já estou a imaginar o teor de uma missiva dirigida ao avô do Metal: “Ó Ozzy, desculpa lá mas tive mesmo que gamar a tua discografia. Sou um grande fã teu, por isso te envio as minhas desculpas e uma notita para não fazeres ondas.” Imagino que, agora, os prevaricadores consigam dormir melhor, aconchegados num mar de cinismo.
Os pressupostos do Dear Rockers rebaixam o artista à humilhante condição de miserável que, para sobreviver, depende das esmolas dos fãs (tão altruístas que eles são...). Muitos poderão afirmar que a estratégia de os Radiohead venderem o seu novo álbum, In Rainbows, no site oficial através de download com preço definido pelos admiradores se inscreve igualmente numa lógica de esmola.
Contudo, essa ideia não poderia ser mais errada: em primeiro lugar porque se trata de uma eficaz opção de marketing; em segundo, porque é uma genial estratégia para manter a carreira com maior independnência face à indústria discográfica tal como é conhecida. Ao mesmo tempo, a banda educa e responsabiliza os fãs, conferindo-lhes o poder de decidir o seu futuro.
O caminho de Barrefoot é distinto. Qual beato pecador que busca a absolvição confessando-se, rezando a Avé Maria 30 vezes ou pagando o dízimo, o autor julga que, ao incentivar os fãs a pagar cinco dólares às bandas, lhes tira dos ombros o peso do arrependimento, legitimando as prevaricações até ao próximo envio de cinco dólares, quiçá para outro destinatário. Mas Barrefoot esquece o fundamental: a consciência limpa não se compra!
Dico