StabatMatter Escreveu: No entanto, acho que tanto bandas como editoras, já deviam começar a apostar em suportes de venda diferentes.Um pouco à semelhança dos Radiohead, podiam colocar álbuns à venda na Internet e a preços acessíveis.Acho que o factor "preço" continua a ter relevância. Que tal começar a existir uma abordagem de mercado diferente?
Pois, então estás em perfeita sintonia comigo. É essa versatilidade do mercado que eu defendo há muito tempo. Aliás, é possível comprová-lo logo na resposta à primeira pergunta de uma entrevista que dei recentemente ao site HeavyMetalPT. Reza assim:
"HeavymetalPT: O que achas da actual situação dos downloads ilegais e a indústria musical?
O fenómeno lesa os grupos, as editoras e os retalhistas, cujas vendas sofrem decréscimos acentuados há vários anos. Sempre houve gravações ilegítimas - o tape-tradding é paradigmático dessa realidade -, mas a partilha de ficheiros eleva a prática a um expoente inimaginável há uma década. Para sobreviver, os grupos de média e pequena dimensão vêem-se hoje obrigados a fazer digressões mais longas. Os cachets e a venda de merchandise são agora as suas principais fontes de receita. Apenas as bandas underground ou em início de carreira retiram benefícios efectivos da partilha de ficheiros, que representa um eficaz veículo promocional.
Mas a responsabilidade da situação que a indústria vive não pode ser imputada senão a ela própria, que sempre explorou o consumidor. Desde que surgiu a primeira plataforma de troca de ficheiros, os gigantes discográficos acumularam decisões catastróficas, assumindo-se incapazes de reverter o fenómeno a seu favor. Ao invés de gerar novas estratégias de negócio, que beneficiassem os fãs, limitaram-se a responsabilizar criminalmente os fundadores e os utilizadores das aplicações P2P. Uma vez mais, decidiram lesar o consumidor, mantendo os preços elevados e impedindo-o de ouvir CD’s (ou gravá-los para consumo próprio) em PC’s, MAC’s, auto-rádios e outras plataformas de leitura.
Uma das principais estratégias da indústria para motivar os downloaders a comprar discos foi lançar em digipack, caixa ou slip-case edições especiais dos CD’s, supostamente limitadas, com grafismo alternativo e diversos extras. Infelizmente, nem esses lançamentos constituem motivo de interesse suficiente para que os downloaders os adquiram. Neste cenário, os fãs diehard são os únicos prejudicados, impelidos a comprar duas vezes o mesmo CD - primeiro na edição original, depois na versão especial “limitada”. Conhedora da tendência, a indústria aproveita para continuar a inundar o mercado com best ofs e outras compilações duvidosas, uma vez mais adquiridas somente pelos verdadeiros melómanos.
Portanto, a indústria não dá sinais de querer deixar de olhar para o próprio umbigo. Aliás, os músicos revelam maior visão estratégica do que os gigantes discográficos. Ao disponibilizarem no site oficial o novo álbum, In Rainbows, para download com preço definido pelos fãs, os Radiohead arriscaram mas foram recompensados (1,2 milhões de downloads pagos em dois dias), iniciando uma nova era na forma de vender/distribuir música, sem vínculo a editoras ou recurso a retalhistas.
Outras bandas irão seguir-lhes os passos, autonomizando-se e escrevendo o seu próprio destino. Aliás, a tendência é, cada vez mais, para que sejam os músicos a gerir as suas carreiras. O desalento pela cegueira da indústria discográfica ficou bem patente na oferta, por Prince, de três milhões de exemplares de Planet Earth, o seu novo álbum, com o jornal “Mail on Sunday”, antes de o mesmo chegar às lojas, numa operação de marketing inédita e particularmente agressiva.
Em suma, a única forma de a indústria recuperar algum do investimento perdido com a pirataria e downloads ilegais é inovando, gerando novos modelos de negócio que vão ao encontro das necessidades do consumidor. O futuro passa, inevitavelmente, por um aumento exponencial das vendas de downloads (inclusive de toques para telemóvel), um modelo que já provou ser comercialmente viável.
Outra modalidade em franca expansão, e que, julgo, assumirá enorme importância no futuro, é a gravação de espectáculos ao vivo e venda automática dos respectivos CDs, ou seja, 20 minutos após o término do concerto uma unidade móvel de gravação, masterização e embalamento disponibiliza ao público um CD com o registo áudio do espectáculo. Não duvido que este modelo de negócio irá expandir-se também ao formato DVD (inclusive, bandas como os Testament vendem DVD’s dos seus espectáculos nos sites oficiais).
Por outro lado, os Metallica disponibilizam no site LiveMetallica.com gravações áudio dos concertos para download pago (alguns espectáculos mais antigos são oferecidos, bastando para isso que o utilizador se registe na página) dias após os mesmos se terem realizado. Ou seja, os modelos de negócio proporcionados pelas novas tecnologias afiguram-se numerosos, diversificados e com enorme potencial.
Daí que, prevejo, o futuro da indústria passe cada vez mais pelas netlabels, pelas editoras físicas independentes (especialmente as de média, pequena e micro dimensão) e pelas próprias bandas, cujas estratégias de negócio já provaram ser inovadoras e eficazes."
E outra pergunta mais abaixo:
"HeavymetalPT: O governo deixou os discos com IVA a 21%, achas que esta atitude está a matar as lojas de discos e alimentar os downloads ilegais?
Sem dúvida! Porque razão os registos fonográficos em Portugal são considerados artigos de luxo, comportando os 21% de IVA; e não produtos culturais, de primeira necessidade, como os livros, sujeitos à taxa de 5% de IVA? A música não é cultura? Obviamente que, desta forma, o Governo apenas incentiva o público a usar ainda mais as plataformas de partilha ilegal de ficheiros.
Neste sentido, aplaudo a coragem e capacidade de inovação da Mariarecords, fundada por Rui Veloso, que vai lançar o álbum Rádio Alegria, dos Azeitonas, sob a forma legal de "livro com oferta de CD áudio", contornando o abusivo enquadramento fiscal a que a música está sujeita neste país. Desta forma, o consumidor final irá pagar uns meros 5% de IVA. Outros músicos e editoras já fizeram saber que irão seguir o exemplo de Rui Veloso, prevendo-se uma revolução a breve prazo na forma de editar música em Portugal (repara que, noutros países, não existe discrepância nos valores do IVA aplicados aos livros e aos registos fonográficos)."
Outros textos de opinião meus sobre o tema podem ser encontrados nesta mesma secção do fórum.