Literatura

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Count Raven
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Re: Literatura

Mensagempor Count Raven » domingo nov 27, 2011 1:28 pm

Comprei este há uns dois meses, e está brutal. Já conhecia a tradução de Pessoa (óbvio), mas com as ilustrações do Doré fica mesmo muito melhor.

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Fica a tradução, que é das melhores que já vi em termos de métrica e de fidelidade em relação ao original:

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais
«Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais.
É só isso e nada mais.»

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais —
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo,
«É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isso e nada mais».

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
«Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais —
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isto só e nada mais.

Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
«Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.»
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
«É o vento, e nada mais.»

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais.
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
«Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.»
Disse-me o corvo, «Nunca mais».

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome «Nunca mais».

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais
Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais».
Disse o corvo, «Nunca mais».

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
«Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este «Nunca mais».

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele «Nunca mais».

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
«Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!»
Disse o corvo, «Nunca mais».

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
When all else fails, "tás a amealhar pontos de metaleiro" will get you through the day.

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Re: Literatura

Mensagempor Floresta » domingo nov 27, 2011 1:53 pm

Doré <3

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Count Raven
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Re: Literatura

Mensagempor Count Raven » domingo nov 27, 2011 3:36 pm

Floresta Escreveu:Doré <3


Sempre. 8)
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Re: Literatura

Mensagempor Wolfheart66 » domingo nov 27, 2011 10:08 pm

Finalmente terminei o Diário de Anne Frank.
Sigo agora para as Aventuras De Tom Bombadil do mestre Tolkien.
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otnemeM
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Re: Literatura

Mensagempor otnemeM » domingo nov 27, 2011 11:42 pm

Inglês ou Português?

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prla
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Re: Literatura

Mensagempor prla » segunda nov 28, 2011 10:22 am

Acabei de ler o "Slaughterhouse-5" do Kurt Vonnegut e posso dizer que gostei sem ficar deslumbrado. Talvez porque tenha alguma dificuldade em me identificar com o assunto, embora a Segunda Guerra Mundial seja algo que sempre me interessou de um ponto de vista histórico. Por outro lado, admiro este livro por alguns motivos semelhantes aos que me levam a gostar do Apocalypse Now, pois transmitem uma visão da guerra perfeitamente alucinada. Nunca estive numa guerra obviamente, mas desconfio que há-de ser algo absolutamente demente.

Mudando de assunto completamente, estou agora a ler o "Ferrugem Americana", de Philipp Meyer e é FANTÁSTICO. Daqueles que em primeira instância me atraem pela qualidade da capa, que a seguir em entusiasmam pela sinopse e que depois me deixam rendido pelo conteúdo, completamente submergido no ambiente da estória. É raro aqueles blurbs da capa terem realmente um fundo de verdade mas este livro vem MESMO na tradição de Hemingway e sobretudo de Cormac McCarthy. Muito, muito recomendado.

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pantufa
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Re: Literatura

Mensagempor pantufa » segunda nov 28, 2011 10:42 am

prla Escreveu:Mudando de assunto completamente, estou agora a ler o "Ferrugem Americana", de Philipp Meyer e é FANTÁSTICO. Daqueles que em primeira instância me atraem pela qualidade da capa, que a seguir em entusiasmam pela sinopse e que depois me deixam rendido pelo conteúdo, completamente submergido no ambiente da estória. É raro aqueles blurbs da capa terem realmente um fundo de verdade mas este livro vem MESMO na tradição de Hemingway e sobretudo de Cormac McCarthy. Muito, muito recomendado.


Tenho esse na minha lista há algum tempo. Realmente a capa está fixe. Chamou-me à atenção logo pelo titulo (American Rust). Vou comprar a edição em inglês que sai bem mais barato.

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prla
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Re: Literatura

Mensagempor prla » segunda nov 28, 2011 11:21 am

pantufa Escreveu:Tenho esse na minha lista há algum tempo. Realmente a capa está fixe. Chamou-me à atenção logo pelo titulo (American Rust). Vou comprar a edição em inglês que sai bem mais barato.


Eu ainda ando com esta pancada estúpida de me apetecer ler em Português, por isso não o comprei no original. Além de que foi uma compra "acidental" e não premeditada, por assim dizer. Mas ainda bem que fizeste esta observação, porque me esqueci de comentar no post anterior que a tradução (de Ester Cortegano) está particularmente boa. O autor opta alternadamente entre a primeira e a terceira pessoa com uma destreza assinalável e a tradução parece-me captar isso na perfeição. Se isto em Português está assim, nem imagino esta prosa em Inglês.

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Re: Literatura

Mensagempor emperium » segunda nov 28, 2011 4:01 pm

pantufa Escreveu:http://www.goodreads.com

isto é uma cena fixe, não sei é se funciona fora do facebook. (para quem nao tem).


yeaps, funciona fora do FB e tem app para android e IOS.
Exite também um outro site com apps para android e IOS chamado http://www.anobii.com.
de momento nada me ocorre, QSF
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Cthulhu_Dawn
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Re: Literatura

Mensagempor Cthulhu_Dawn » segunda nov 28, 2011 5:00 pm

Surripiados da biblioteca do meu pai:

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Juntamente com O Regresso de D. Camilo, D. Camilo e o seu rebanho e D. Camilo em Moscovo.

Acho que não é muito fácil de encontrar hoje em dia. São uns livrinhos ridiculamente bons e com traduções surpreendentemente boas, pelo menos é de chorar a rir do principio ao fim.
Muito resumidamente contam a história do pároco de uma aldeia italiana, no pós-2ª Guerra Mundial e do chefe local do Partido Comunista Italiano.
Já os tinha lido uma vez e apeteceu-me "pedi-los emprestado" outra vez.

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Re: Literatura

Mensagempor Wolfheart66 » segunda nov 28, 2011 7:35 pm

otnemeM Escreveu:Inglês ou Português?

Ambos estão em Português why? :?
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Vaargseth [RIP 2012/04/25]

Re: Literatura

Mensagempor Vaargseth [RIP 2012/04/25] » segunda nov 28, 2011 8:11 pm

A ler o Volume III d'Os Miseráveis de victor Hugo, em francês.

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Re: Literatura

Mensagempor otnemeM » segunda nov 28, 2011 8:38 pm

Wolfheart66 Escreveu:
otnemeM Escreveu:Inglês ou Português?

Ambos estão em Português why? :?

Curiosidade apenas :)

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Re: Literatura

Mensagempor Aiwass » segunda nov 28, 2011 8:46 pm

pantufa Escreveu:
prla Escreveu:Mudando de assunto completamente, estou agora a ler o "Ferrugem Americana", de Philipp Meyer e é FANTÁSTICO. Daqueles que em primeira instância me atraem pela qualidade da capa, que a seguir em entusiasmam pela sinopse e que depois me deixam rendido pelo conteúdo, completamente submergido no ambiente da estória. É raro aqueles blurbs da capa terem realmente um fundo de verdade mas este livro vem MESMO na tradição de Hemingway e sobretudo de Cormac McCarthy. Muito, muito recomendado.


Tenho esse na minha lista há algum tempo. Realmente a capa está fixe. Chamou-me à atenção logo pelo titulo (American Rust). Vou comprar a edição em inglês que sai bem mais barato.


Tb já tive esse livro no basket. Mas as coisas pendentes e o FMI impediram-me de concretizar a compra.
Set the controls for the heart of the Sun.

http://loudmagazine.net/

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prla
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Re: Literatura

Mensagempor prla » terça nov 29, 2011 10:35 am

Aiwass Escreveu:
pantufa Escreveu:
prla Escreveu:Mudando de assunto completamente, estou agora a ler o "Ferrugem Americana", de Philipp Meyer e é FANTÁSTICO. Daqueles que em primeira instância me atraem pela qualidade da capa, que a seguir em entusiasmam pela sinopse e que depois me deixam rendido pelo conteúdo, completamente submergido no ambiente da estória. É raro aqueles blurbs da capa terem realmente um fundo de verdade mas este livro vem MESMO na tradição de Hemingway e sobretudo de Cormac McCarthy. Muito, muito recomendado.


Tenho esse na minha lista há algum tempo. Realmente a capa está fixe. Chamou-me à atenção logo pelo titulo (American Rust). Vou comprar a edição em inglês que sai bem mais barato.


Tb já tive esse livro no basket. Mas as coisas pendentes e o FMI impediram-me de concretizar a compra.


Mucho recomendado, my friend. Estou para aí a 2/3 da coisa, thing's a f'ing page turner! Gosto particularmente do retrato de uma América profunda em colapso após o zénite da siderurgia, etc. Paisagens desoladoras (quase que dá para sentir a ferrugem) mas muito bonitas ao mesmo tempo, como se a Natureza estivesse a recuperar terreno à indústria... e ao Homem.


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